Por Daniel de Leles Lima
O atual cenário macroeconômico brasileiro, caracterizado por um patamar de juros elevados como ferramenta de controle inflacionário, impõe desafios significativos para as cooperativas de crédito. Se, por um lado, a busca por taxas mais justas aquece a procura pelas cooperativas, por outro, a capacidade de pagamento dos cooperados é pressionada, elevando o risco de inadimplência e superendividamento. Nesse contexto, a auditoria cooperativa assume um papel estratégico e indispensável, atuando como um pilar de segurança para a robustez e a perenidade da instituição. Este artigo visa analisar os principais desafios na concessão de crédito em um ambiente de juros altos e demonstrar como uma auditoria bem estruturada pode verificar e fortalecer as políticas de crédito da cooperativa, garantindo a saúde financeira e o cumprimento de sua missão social.
Os desafios ampliados pela conjuntura econômica
A elevação da taxa básica de juros (Selic) reverbera por toda a economia, impondo desafios significativos à saúde financeira de muitos cooperados, tanto pessoas físicas quanto jurídicas. Diante deste cenário, a compreensão aprofundada desses impactos pela auditoria não é apenas uma etapa, mas o alicerce para um planejamento de trabalho eficaz.
1. Avaliação da capacidade de pagamento: a tradicional análise de crédito, baseada em dados históricos de renda e comprometimento, torna-se menos preditiva. A inflação persistente corrói o poder de compra e a renda disponível, enquanto os juros elevados aumentam o custo de vida e das dívidas existentes. A auditoria deve, portanto, questionar: os modelos de credit scoring da cooperativa estão sendo reavaliados para incorporar essas variáveis? A política de crédito considera o impacto da inflação no orçamento familiar ou no fluxo de caixa das empresas cooperadas?
2. Risco de superendividamento: o crédito, que deveria ser uma ferramenta para o desenvolvimento, pode se tornar um catalisador para o superendividamento em tempos de juros altos. O cooperado, muitas vezes pressionado, pode buscar novas linhas de crédito para honrar compromissos antigos, criando um ciclo vicioso. A auditoria precisa verificar se a cooperativa possui mecanismos para identificar os sinais de superendividamento, como múltiplos empréstimos em diferentes instituições, aumento da procura por crédito rotativo e renegociações sucessivas. A análise de indicadores de alerta (Key Risk Indicators - KRIs), como o percentual da renda mensal do cooperado comprometido com dívidas, é fundamental.
3. Pressão setorial: o impacto dos juros não é homogêneo. Setores vitais para as cooperativas de crédito, como o agronegócio e os pequenos negócios, enfrentam desafios distintos. O produtor rural pode ter seus custos de produção elevados e margens de lucro reduzidas. O pequeno empresário, por sua vez, enfrenta a retração do consumo e o encarecimento do capital de giro. A auditoria deve adotar uma abordagem baseada em risco, focando nos setores mais representativos da carteira de crédito da cooperativa e avaliando se as políticas de concessão são adequadas às particularidades e aos riscos de cada segmento.
O papel da auditoria na verificação da robustez das políticas de crédito
Frente a este cenário, a auditoria cooperativa deve ir além da mera verificação de conformidade. É preciso adotar uma postura proativa e analítica, focada na eficácia dos controles e na adequação das estratégias de gestão de risco de crédito.
O ponto de partida é garantir que a política de crédito esteja sendo rigorosamente seguida. Contudo, o foco principal deve ser na sua eficácia. A auditoria pode realizar os seguintes procedimentos:
• amostragem estratificada: selecionar uma amostra de operações de crédito concedidas recentemente, com foco em cooperados de maior risco, operações de maior valor e de setores econômicos mais sensíveis ao cenário atual;
• análise da documentação e análise de crédito: verificar se a análise da capacidade de pagamento foi criteriosa, se considerou o cenário macroeconômico e se as alçadas de aprovação foram respeitadas;
• validação dos modelos de credit scoring: auditar a eficácia dos modelos, verificando se estão sendo periodicamente testados (backtesting) e ajustados à nova realidade econômica para evitar vieses e garantir seu poder preditivo.
• Análise das políticas de renegociação: verificar se os critérios para renegociação são claros, se avaliam a real capacidade de pagamento futura do cooperado e se não representam apenas a postergação do prejuízo (“pedalada”).
• Acompanhamento da carteira renegociada: testar se as operações renegociadas estão sendo monitoradas de forma distinta e se a taxa de reincidência de atraso nesta carteira está dentro de limites aceitáveis.
• Análise das metodologias: avaliar se os modelos utilizados pela cooperativa para calcular a perda esperada são robustos, se utilizam premissas macroeconômicas atualizadas (como projeções de juros, inflação e desemprego) e se o provisionamento reflete o risco real da carteira de crédito.
• Conformidade regulatória: assegurar a correta classificação dos ativos em estágios de risco (1, 2 e 3) e a aderência aos critérios de “ativo problemático” e stop accrual (suspensão da apropriação de juros), conforme a normativa do Banco Central.
Conclusão: a auditoria como agente de fortalecimento
Em um cenário de juros elevados, a concessão de crédito deixa de ser uma operação rotineira e se torna um ato que exige máxima diligência e visão estratégica. A auditoria cooperativa, quando bem executada, transcende a função de avaliação de conformidade e se posiciona como um parceiro de confiança, fornecendo insights valiosos para a alta gestão. Ao verificar a robustez das políticas de crédito, desafiar as premissas dos modelos de risco, avaliar a adequação dos provisionamentos e garantir a conformidade com as mais recentes regulações, a auditoria ajuda a cooperativa a navegar com mais segurança pelas incertezas do mercado. Dessa forma, protege não apenas a saúde financeira da instituição, mas, fundamentalmente, fortalece seu propósito de promover o desenvolvimento econômico e social de seus cooperados de forma justa e sustentável. A mensagem para os gestores é clara: investir em uma auditoria de crédito forte e atuante é investir na resiliência e no futuro da cooperativa.
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