Por Alexandre Gomes Ribeiro de Faria e Luiz Otavio Lemos
A educação financeira é um tema crucial na atualidade, especialmente no Brasil, onde a preocupação com o endividamento crescente dos cidadãos tem mobilizado iniciativas governamentais, tais como o projeto de lei para sua inclusão no currículo escolar. A partir do Decreto nº 7.397/2010, que instituiu a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), até a recente Lei nº 14.690/2023, que busca facilitar a renegociação de dívidas, nota-se um movimento contínuo para promover a conscientização financeira entre a população.
O conceito de educação financeira, segundo a OCDE, envolve capacitar consumidores e investidores a entender melhor os produtos financeiros e os riscos associados, permitindo-lhes tomar decisões assertivas e seguras.
A educação financeira não apenas ajuda os cidadãos a gerir suas finanças pessoais, mas também pode contribuir para a redução da inadimplência, maior participação no sistema financeiro e, consequentemente, fomento da economia. O fortalecimento da consciência financeira é essencial para empoderar consumidores, tornando-os mais preparados para enfrentar as armadilhas do crédito e construir um futuro financeiro mais sustentável. Logo, a implementação efetiva de programas de educação financeira, aliados às políticas públicas, é fundamental para transformar a relação dos cidadãos com o crédito e promover uma cultura de consumo responsável.
Na literatura, há autores que afirmam que associado à educação, em especial quando se aborda o tema educação financeira, é importante que o indivíduo, mais do que conhecimento sobre o assunto, tenha capacidade de controlar suas emoções. Quando as pessoas lidam com dinheiro, este oferece lições sobre as coisas que são de extrema relevância em diferentes áreas da vida, como risco, confiança e felicidade. Assim, compreender conceitos financeiros, conhecer riscos e oportunidades de produtos e serviços financeiros e saber conduzir suas finanças pessoais representam quesitos que servem de conexão com um conjunto básico de capacidades necessárias a todo cidadão.
Neste contexto, é possível afirmar que a educação financeira é um processo de aprendizagem que deve ser desenvolvido diariamente para auxiliar todos aqueles interessados na administração e no planejamento financeiro. Não obstante, é uma alternativa concreta para o cidação organizar sua vida e criar condições de sustentabilidade permanente. É por esta razão que o acesso à informação sobre riscos e oportunidades dos serviços e produtos financeiros ofertados por quem detém o crédito propicia o consumo consciente.
No ano de 2023, com objetivo de reduzir os índices de inadimplência no país, permitindo a reintegração dos cidadãos à economia e ao acesso ao crédito, a Lei nº 14.690/2023 instituiu o Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes, denominado “Desenrola Brasil”, estabelecendo normas para facilitar o acesso ao crédito e mitigação de riscos de inadimplemento e de superendividamento de pessoas físicas. Os requisitos, condições e procedimentos para adesão ao Programa foram estabelecidas pela Portaria Normativa do Ministério da Fazenda, MF nº 634/2023, onde o artigo 9º, § 1º, veio estabelecer que “a entidade operadora deverá disponibilizar acesso ao curso de educação financeira para os devedores que aderirem ao Desenrola Brasil – Faixa 1”.
O programa é regulado pela Portaria Normativa, MF nº 733/2023, que constituiu a habilitação de agentes financeiros, criado pela Medida Provisória – MP nº 1.176/2023, preconizando em seu artigo 3º que as instituições financeiras, criadas por lei própria ou autorizadas a funcionar pelo Bacen, que detenham autorização para realizar operações de crédito, ficam habilitadas a oferecer renegociação de dívidas no âmbito do Programa Desenrola Brasil – Faixa 2, a partir de julho/2023, emergindo desta as medidas de educação financeira determinadas pelo Bacen através da Resolução Conjunta nº 8/2023.
O artigo 2º da Resolução Conjunta estabeleceu que as instituições referidas e outras instituições que ofereçam crédito deverão adotar medidas de educação financeira direcionadas aos seus consumidores para prevenção ao inadimplemento de operações e ao superendividamento de pessoas físicas. Observa-se que o alcance da lei é mais amplo, não se limitando às instituições financeiras tradicionais.
Por sua vez, o § 3º do artigo encarregou ao Conselho Monetário Nacional - CMN, por ação do Bacen, a regulamentação da matéria com a finalidade de estimular a competição entre emissores de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos, incentivar a adoção de práticas de crédito responsável e reduzir as taxas de juros cobradas em financiamento do saldo devedor da fatura de cartão de crédito e de demais instrumentos de pagamento pós-pagos.
Assim, as medidas de educação financeira determinadas pelo Bacen foram introduzidas por meio da Resolução Conjunta nº 8/2023, cujo objetivo foi estimular os clientes pessoas naturais, empresários individuais usuários de produtos e serviços financeiros à utilização de meios ou ferramentas adequadas que contribuam para a sua compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira que, com informação, formação e orientação, possam desenvolver os valores e as competências necessários para se tornarem mais conscientes das oportunidades e riscos neles envolvidos.
A informação é um direito fundamental do consumidor e amparada pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078/1990), em seu inciso IV, artigo 4º, sustentada em um dos princípios que prevê a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo”. Por meio da Lei nº 14.181/2021, foi introduzido o artigo 54–D, que versa sobre a oferta de crédito e estabelece que o fornecedor ou intermediário de crédito deverá, entre outras condutas, “informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, natureza e a modalidade do crédito ofertado, sobre todos os custos incidentes”, sob o risco de sanções em relação ao contrato estipulado com o consumidor.
Cabe lembrar que no ano de 2021 o Bacen já havia editado norma dispondo sobre princípios e procedimentos que devem ser adotados no relacionamento com clientes e usuários de produtos e de serviços. A norma determina às instituições conduzir suas atividades com observância aos princípios de ética, responsabilidade, transparência e diligência, propiciando a convergência de interesses e a consolidação de imagem institucional de credibilidade, segurança e competência, conectando-se, assim, às medidas de educação financeira e, requerendo, adicionalmente, a implementação de política que proporcionasse aos seus clientes e usuários ações de educação financeira úteis e relevantes para sua vida financeira, de forma a garantir acesso às medidas de educação financeira ao universo de seus clientes e usuários e que disponibilizassem conteúdo e ferramentas mais adequados, considerando o perfil do público-alvo.
Não diferente, considerando que o relacionamento com clientes e usuários abrange as fases de pré-contratação, de contratação e de pós-contratação de produtos e de serviços, conforme previsto em norma, a política que institui ações de educação financeira deve considerar todas essas fases e devem ser compatíveis com os modelos de negócio e a complexidade das operações. E essas exigências vão requerer das instituições que ofertam crédito ações mais assertivas, considerando que a evolução da tecnologia vem colaborando substancialmente para a intensificação de endividamento por parte dos cidadãos, uma vez que é usada estrategicamente para atingir grande parte de consumidores, fazendo com que esses mecanismos tecnológicos criem falsa ideia de que estão sendo contratados por livre e espontânea vontade.
Assim, as ações de estímulo voltadas à educação financeira devem ser planejadas adequadamente e pautadas nos fatores relacionados à vulnerabilidade, para que realmente tenham uma eficácia social, uma vez que o problema do superendividamento impacta na vida dos consumidores, privando-os das suas necessidades essenciais, além da ausência de educação financeira adequada. Nesse sentido, é imprescindível a criação de políticas públicas voltadas ao consumidor, de acordo com as suas necessidades e particularidades.
Outros elementos similares que merecem destaque entre as normas que dispõem sobre princípios e procedimentos a serem adotados no relacionamento com clientes e usuários de produtos e de serviços e medidas de educação financeira estão relacionadas à adoção e implementação de uma política institucional uniforme, que permita o compartilhamento de estratégias de educação financeira. Vale ressaltar que políticas bem elaboradas, destinadas ao uso do crédito consciente, são formas de prevenção, bem como tratamento no combate ao endividamento por parte dos cidadãos.
Do mesmo modo, a Resolução Conjunta nº 8/2023 do Bacen veio determinar para as às instituições a implementação de mecanismos de acompanhamento, de controle e de mitigação de riscos com vistas a assegurar as disposições da política, com avaliações apropriadas e devidamente formalizadas para monitorar a sua implementação e seus resultados, considerando as metas estabelecidas pela alta administração, processos de revisões por meio do uso de métricas, indicadores adequados e testes de controles internos visando avaliar a sua efetividade, assim como identificar ou corrigir eventuais deficiências de maneira tempestiva.
O fundamental é que essas medidas de apoio à educação financeira estejam alicerçadas em dois pilares principais: o da prevenção, para situações em que o cidadão ainda não se encontra em situação de endividamento e o do tratamento, para aqueles que já se encontram superendividados. E o objetivo principal nas fases de prevenção e de tratamento deve ser a garantia de mudanças de hábitos desses cidadãos, uma vez que o problema pode ir além da questão do saber sobre educação financeira, mas também comportamental, sendo necessária a participação de outros profissionais no apoio a essas ações.
Portanto, conclui-se que objetivamente a educação financeira visa contribuir para que os cidadãos em situação de endividamento sejam reincluídos no mercado, proporcionando uma condição financeira adequada e, consequentemente, podendo consumir de maneira sustentável. Sua função, de maneira geral, é reduzir a inadimplência, com consumidores capazes de administrar seus riscos e gerenciar seus orçamentos. Além disso, poderá contribuir com a redução de ocorrência de fraudes com consumidores conscientes dos riscos a que se expõem ao utilizar os serviços.
Dessa forma, surgirá uma melhora no sistema financeiro, com uma maior participação dos consumidores, favorecendo o fomento da economia e a redução da pobreza, o que contribui para a prevenção e o tratamento de pessoas endividadas.
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